Um dos poemas de Fernando Pessoa (como Álvaro de Campos) que mais gosto se chama A Passagem das Horas. Álvaro de Campos é o protótipo do sujeito moderno, vivendo entre a novidade da tecnologia, o tédio e o desencontro entre as suas sensações e os outros.
É certo que Álvaro de Campos não é Alberto Caiero, aquele outro (outro nome) – heterônomo- que Fernando Pessoa (o ego) chamava de mestre (o Self).
Mas estava dizendo sobre o Passagem das Horas. Ao rever o vídeo abaixo me lembrei deste trecho: Nem tomar nota do que vi para depois fingir que o vi.
Trecho de Passagem das Horas
“Viro todos os dias todas as esquinas de todas as ruas,
E sempre que estou pensando numa coisa, estou pensando noutra.
Não me subordino senão por atavismo,
E há sempre razões para emigrar para quem não está de cama.
Das serrasses de todos os cafés de todas as cidades
Acessíveis à imaginação
Reparo para a vida que passa, sigo-a sem me mexer,
Pertenço-lhe sem tirar um gesto da algibeira,
Nem tomar nota do que vi para depois fingir que o vi”
Nem tomar nota do que vi para depois fingir que o vi
Tirar uma foto é tomar uma nota, é guardar uma lembrança, é registrar um momento, certo?
Com os telefones espertos (smartphones) temos à nossa disposição a possibilidade de registrar todo momento. Antes não. Antes tínhamos que escolher ocasiões especiais, posto que comprar um filme para uma câmera e revelá-lo não saia barato.
Hoje podemos tirar foto de tudo. E encher o nossos HD’s e cartões de memória com megabits e pixels de sensações desencontradas.
Como no vídeo abaixo, tomar nota do que vi para tentar ver de verdade, quem sabe, outro dia… pois afinal, estamos presentes no momento quando queremos guardar algo para o futuro? Ou estamos perdendo o presente na busca de uma memória do passado no futuro?
Como diz o título do vídeo: “Eu esqueci o meu celular”. Quanto tempo você consegue esquecer o seu?